Bakemonogatari Em Perspectivas


  Na mecânica quântica, o "efeito observador" se refere ao fenômeno em que a própria ação de observar pode alterar o estado das partículas que estão sendo analisadas. Isso significa que o ato de medir ou observar pode mudar a natureza do que está sendo estudado, tornando o resultado uma interação entre o observador e o observado, em vez de uma observação puramente objetiva. Embora a explicação do conceito seja mais complexa na física moderna, essa ideia também pode ser estendida para as ciências sociais e psicologia. Quando se tenta entender alguém, não só a pessoa observada pode mudar, mas o próprio observador também é influenciado por essa interação, mudando a si mesmo.

 Bakemonogatari é uma obra permeada pela ideia de que a perspectiva é o que traz o contexto do entendimento. O que a obra se propõe a ser, e como ela é de fato entendida, não necessariamente precisam estar em equivalência, pois o verdadeiro valor está em refletir o significado das coisas e saber que pontos de vista distintos podem alterar a forma daquilo que está sendo visto. Isso traz à série um imenso valor discursivo, fazendo com que ideias contrárias possam existir na mesma linha de raciocínio. Algo que muda o objeto e o observador; não definitivamente, mas em um fluxo contínuo, contanto que a possibilidade do entendimento esteja sempre disponível. Assim sendo, conclusões definitivas são desnecessárias e a subjetividade tem valor absoluto para entender como perspectivas podem dar forma a Monogatari.

Hitagi Crab
Conclusões do Começo
Hitagi Labirinto

 Como uma porta de entrada para um labirinto de ilusões, o arco "Hitagi Crab" não poderia ser mais perfeito. Um dos princípios mais fundamentais de Monogatari é que uma observação nem sempre consegue captar a totalidade de algo. Por meio dessa ideia, "Hitagi Crab" apresenta o embate "narradores versus perspectivas". Mostrando tudo que há para além de uma monstruosidade, de um humano e de Hitagi, que transcende a humanidade.

 Hitagi Senjougahara, a Machine-Gun Girl dos Artigos de Papelaria. A personalidade aparentemente menos exata de todo Monogatari. Tsundere? Kuudere? Yandere? Dandere? Manic Pixie Dream Girl? Quem é você, Gahara? Hitagi expressa perfeitamente bem como a percepção é moldada de acordo com a compreensão e que isso não resulta em uma conclusão exata. Entre um arco e outro, mesmo os que se passam cronologicamente próximos, a personalidade de Hitagi pode ser tão conflitante que a faça parecer confusa.

 Isso não se deve, no entanto, às mudanças ocorridas em Hitagi, mas sim à perspectiva de quem a observa e ao contexto. Usando como exemplo três 'personalidades distintas' de Hitagi, vistas nos arcos "Hitagi Crab", "Hitagi Rendezvous" e "Tsubasa Tiger". Em "Hitagi Crab", Koyomi sublinha a personalidade de Hitagi como muito difícil de lidar, o que é provavelmente um sinônimo de desagradável. Hitagi é muito defensiva e combatente; características que tomam forma em sua notável habilidade de fazer piadas degradantes. Oshino Meme atribui isso a uma personalidade tsundere, mas que o próprio Koyomi entende de forma diferente.

 Em "Hitagi Rendezvous", sua personalidade parece ser o oposto da maneira como Koyomi a percebia. Ela parece fofa e agradável, suas conversas são brilhantemente interessantes e suas piadas têm um charme único e característico de Hitagi. No comportamento mais kuudere já visto, todo o preâmbulo desse arco é basicamente Hitagi executando planos impossíveis para conseguir que o namorado a chame pelo primeiro nome sem precisar pedir diretamente.

 No arco "Tsubasa Tiger", ocorre uma mudança de narrador, de Koyomi para Tsubasa, o que resulta em distinções na percepção e no ambiente. Com isso, Hitagi parece novamente uma versão diferente de si mesma. Ela se mostra aberta a demonstrar seus sentimentos por Tsubasa, procurando-a por toda a cidade, forçando-a a ficar em sua e até mesmo encarando de frente a manifestação da ganância da representante de classe. A supostamente fria e distante tsundere até faz muito contato físico com Tsubasa para diminuir a distância entre as duas. Essa é uma das vezes em que exibição física vai além do fanservice em Monogatari, revelando um lado de Hitagi que se torna mais perceptível quando visto através dos olhos de Tsubasa.

 Entretanto, a maior mudança em Hitagi entre os arcos foi sua aceitação do peso da culpa por se sentir responsável pela separação de sua família. Essa mudança psicológica definitivamente não a faria parecer menos amargurada ou se transformar em uma pessoa gentil. Os estereótipos atribuídos à personalidade de Hitagi refletem a perspectiva de quem a observa. Não existe realmente clichê que caiba nela. Quando Koyomi não a percebe mais como uma mulher difícil de lidar, a mudança ocorreu principalmente nele, por ter se apaixonado e se esforçado para entendê-la. As piadas que ela faz em "Hitagi Crab""Hitagi Rendezvous" são, na verdade, igualmente agressivas, apenas a maneira que chega a ele é diferente. Os momentos de intimidade e proximidade que ela tem com Tsubasa são os mesmos que ela tem com Koyomi durante os encontros do casal, sendo distintos apenas por serem direcionados a pessoas diferentes.

 Os motivos de Hitagi às vezes mudam, mas sempre revelam traços de personalidade. Quando fica nua na frente de Koyomi, assim como em todos os planos que fez para ser chamada pelo primeiro nome, Hitagi mostra sentimentos semelhantes. Um orgulho latente e dificuldade em falar sobre si mesma, que provavelmente são derivados do trauma de infância. Koyomi não viu as cicatrizes no corpo e na mente de Hitagi, pela vergonha de olhar seu corpo nu ou com pouca roupa (o que é bem melhor expressado na novel), assim como ele não conseguiu entender seus motivos durante o encontro em "Hitagi Rendezvous". É a mesma Hitagi. A observação é o que altera as partículas. O efeito observador.

 O que muda constantemente em torno de Hitagi e como ela é percebida pelos espectadores são as perspectivas e os narradores. O fato de o humor ácido de Hitagi parecer um charme é uma mudança na percepção de Koyomi. Para Tsubasa, quando a mesma estava enfrentando o tigre monstruoso, o afeto e o carinho de Hitagi pareciam muito maiores do que como Koyomi percebe. É uma mudança simples de perspectiva.

 Embora apresente a ideia de maneira distinta, Monogatari incorpora o conceito de "narradores não confiáveis". Não que eles necessariamente mintam para o espectador... Na verdade, provavelmente há mentiras deliberadas quando o narrador é o vigarista e best girl Kaiki Deishuu. Por outro lado, quando o narrador é o próprio Koyomi, a limitação de sua percepção pode alterar completamente o entendimento da narrativa. Um erro de julgamento por parte dele pode levar a um erro de julgamento por parte do espectador. Só você pode salvar a si mesmo.

 A comunicação de Hitagi é um pouco indireta, e por vezes abstrata. No entanto, seus sentimentos, seja de afeto ou desafeto, são sempre expressados. Embora não use belas palavras, suas preocupações e ações mostram que ela deseja que Tsubasa sinta que é uma pessoa importante e querida. Apesar de existir um flerte com diversos estereótipos de animes, a caracterização resultante da percepção faz com que nenhum clichê se encaixe verdadeiramente em Hitagi. Isso a afasta do tropo da bela heroína que sofre de uma doença misteriosa e inominada e a remonta como uma garota forte e decidida, que pode suportar o peso de toda a lembrança e culpa do seu momento mais difícil. Tão indestrutível quanto pensa ser.

 E, então, a semiótica do anime abandona as cores vibrantes e desenhos idealizados para representar o trauma de Hitagi de forma mais explícita, evidenciando o horror da tentativa de estupro que ela sofreu. As memórias de Hitagi são remontadas com cores cinzas, brancas ou pálidas e imagens de rostos borrados. Enquanto elementos de cena destacam a intenção pedófila do abusador, as demais imagens remetem à infância e à escola como uma fase que deveria ser de aprendizado, e não a fantasia sexual doentia de um estuprador.

 A narrativa se torna menos metafórica, com elementos mais fáceis de interpretar sem precisar mostrar Hitagi, a vítima, de forma sexualizada. Assim, o peso do trauma recai no acontecimento, e não sobre Hitagi, deixando claro que ela foi vítima de um crime sexual. Com isso, entende-se que muito do que ela diz e faz, assim como a forma que ela vê o mundo, está em parte relacionado a essas lembranças pesadas que ela emprestou ao caranguejo pesado. Mesmo sem esses sentimentos, a perda associada ainda está presente em sua vida. Portanto, o que ela quer de volta é uma parte que lhe falta. Entender Hitagi Senjougahara além dos estereótipos que não a definem representa a compreensão da perspectiva dela e, por si só, é uma forma pela qual Koyomi demonstra interesse por ela. Sem amor não poderia ser visto.


Mayoi Maimai
Linguagem Universal
Mayoi Caminho

 'Snail mail' é um termo informal em inglês que se refere ao correio tradicional, ou seja, ao envio de cartas e pacotes físicos pelos serviços postais convencionais. A expressão 'snail mail' (literalmente 'correio caracol') é usada em contraste com o e-mail, destacando a diferença na velocidade de entrega. Enquanto o e-mail é enviado e recebido instantaneamente, o correio tradicional pode levar dias ou até semanas para ser entregue, dependendo da distância e do serviço postal utilizado. Trata-se, portanto, de uma forma de comunicação lenta.

 Toda a semiótica do anime de Bakemonogatari no arco "Mayoi Maimai" está centrada na ideia da ausência de comunicação. A trama de "Hitagi Crab", sobre perspectivas e compreensão, fica em cheque neste arco. Embora isso faça com que a subtrama de Koyomi e Hitagi tenha quase a mesma importância que o drama da Mayoi, todos os temas dos dois arcos se complementam perfeitamente.

 "Mayoi Maimai" ilustra a ausência de entendimento mútuo entre os quatro personagens centrais deste arco; Mayoi, Koyomi, Hitagi e Tsubasa. Como é comum, o conflito da heroína principal do arco está personificado na monstruosidade. Mayoi Hachikuji é apresentada como um caracol perdido. Caracóis são moluscos com um senso de direção extremamente limitado, especialmente quando comparados a outros seres representados em Bakemonogatari. Essa característica se manifesta em Mayoi na incapacidade de encontrar o caminho de casa. Mayoi se tornara um fantasma errante cujos principais poderes são tornar-se visível apenas para pessoas que não desejam voltar para suas casas e fazer com que as pessoas percam o caminho.

 Devido à natureza de sua monstruosidade, Mayoi representa a falta de comunicação em Bakemonogatari, ou seja, o segundo passo necessário em um processo de entendimento mútuo. Embora tentar compreender outra pessoa seja positivo, isso não constitui comunicação se não houver diálogo. Mayoi não pode ser empatizada por outras pessoas, pois isso as faria se perderem ainda mais, tornando o caracol perdido em uma má entidade. Para evitar isso, Mayoi age agressivamente com qualquer um que tente ajudar.

 As bases narrativas do arco estão todas fundamentadas em diálogos fracassados. Koyomi não quer estar em casa devido a questões não reveladas em seus relacionamentos familiares. Em pleno dia das mães, ele está sozinho no parque da cidade em que vive. Logo depois, aparece Hitagi, que deseja propor algo a Koyomi, mas não consegue fazê-lo diretamente devido à sua dificuldade de socialização, desenvolvida durante o colegial. Enquanto isso, Koyomi não consegue encarar os sentimentos de Hitagi diretamente devido ao seu complexo de inferioridade. Esse embate é representado no anime com ambos nunca estando no mesmo nível enquanto não conseguem se entender.

 Quanto a Mayoi, ela está presa em um ciclo do qual ela não pode ser ajudada sem acabar prejudicando alguém. Ela se tornou uma aparição após ser atropelada por um carro que avançou o sinal vermelho enquanto ela procurava a casa da mãe. Quando os pais de Mayoi se separaram, nada foi explicado adequadamente para a pequena filha, o que a levou a procurar a mãe sozinha, resultando no acidente fatal que a transformou em um fantasma. Outro evento que poderia ter sido evitado através do diálogo.


 A origem de Mayoi e a situação atual de Koyomi refletem valores diferentes sobre o mesmo tema. Koyomi se recusa a voltar para casa e se reconhece como uma pessoa sem valor, sentindo-se inadequado como o filho mais velho da família Araragi. Mayoi apenas desejava se reconectar com sua mãe. Devido às informações que os adultos esconderam dela, Mayoi foi forçada a amadurecer precocemente. O nível de maturidade de Koyomi está muito mais próximo ao de Mayoi do que ao de Hitagi. Por isso, Koyomi e Mayoi têm uma forte afinidade. No entanto, a maturidade de Koyomi ainda é inferior à de Mayoi, que é uma criança. Durante os acontecimentos do arco, o protagonista não hesita em agir violentamente e desrespeitar o corpo de Mayoi.

 Narrativamente, "Mayoi Maimai" posiciona Koyomi como alguém perdido, reforçando como sua autopercepção limita sua visão. Isso o torna um narrador não confiável, mas também é o que lhe permite ajudar Mayoi a encontrar o caminho de casa. Ele continua não conseguindo perceber o afeto de Hitagi por alguém como ele e, ao mesmo tempo, interage com o fantasma caracol sem sequer se dar conta de que ela é a vaca perdida. Acusação e evidência. Nesse caso específico, houve uma troca de ajuda entre Mayoi e Koyomi. Ele a ajudou a voltar para casa, mas a persistência de Mayoi também o levou a chegar à conclusão de que, pelo menos, não queria estar perdido. O anime revela essa pequena evolução adicionando, progressivamente, mais imagens com postes de fios telefônicos e cenários em construção, refletindo a melhoria na comunicação entre eles.

 Depois que tudo termina, quase todos fazem algum progresso. Hitagi consegue ser mais direta sobre seus sentimentos, mesmo sabendo que não existe heroísmo na ajuda que recebeu. Koyomi aceita os sentimentos de Hitagi e consegue voltar para sua casa barulhenta e cheia de irmãs mais novas. E até mesmo Mayoi consegue deixar de ser um fantasma errante, aparentemente. Somente Tsubasa continua igualmente perdida, o que, no entanto, lhe permite enxergar Mayoi. Uma primeira pista para o arco de Tsubasa que está por vir.

Suruga Monkey
Medo renegado
Suruga Yin

 "Suruga Monkey" é o terceiro dos cinco arcos de Bakemonogatari. Em uma estrutura narrativa convencional, a parte do meio é onde ocorre o maior desenvolvimento da história e dos personagens. Embora a estranheza de Bakemonogatari possa parecer contrariar qualquer ideia padrão de escrita, é possível explicar a obra utilizando a clássica estrutura dos três atos:

# Ato 1 ("Hitagi Crab" e "Mayoi Maimai") - Apresentação de personagens e cenários

 No início, são apresentados os protagonistas, o mundo em que vivem, suas personalidades e suas ideologias. Bakemonogatari é principalmente sobre Koyomi Araragi e seu ideal emprestado de que 'só você pode salvar a si mesmo'. Os dois primeiros arcos mostram que Koyomi não vê valor em si mesmo e, portanto, não pode reconhecer o valor de ter ajudado na salvação de alguém, preferindo a máxima de que a pessoa se salvou sozinha. Assim, sua visão se encontra tão limitada por sentimentos de miséria que ele sequer consegue enxergar coisas óbvias, bem como tudo que Hitagi queria que ele visse.

# Ato 2 ("Suruga Monkey") - Conflito

 É onde se apresenta o principal obstáculo que o personagem principal deverá superar. O antagonista pode ser uma situação, uma crise interna ou até mesmo outras pessoas. Qualquer coisa que confronte os ideais do protagonista. A monstruosidade de Suruga Kanbaru, uma manifestação de suas vontades subconscientes fora de controle, antagoniza Koyomi Araragi.

# Ato 3 ("Nadeko Snake" e "Tsubasa Cat") - Resolução

 O desfecho climático da história, quando o protagonista deve enfrentar seus fantasmas e seguir em frente, em direção a um final feliz ou infeliz. Nesta parte, o conflito de ideais se intensifica a ponto de não ter outro caminho além da conclusão. Em "Nadeko Snake" e "Tsubasa Cat", o verdadeiro significado de 'só você pode salvar a si mesmo' torna-se mais claro para Koyomi. Este lema, emprestado de Meme Oshino, adquire significados diferentes para o mentor e para o aprendiz.

 

 Não existem vilões e nem a dicotomia de bem e mal em Bakemonogatari. Mesmo as monstruosidades não são malvadas nem bondosas; elas são apenas algo que existe nesse universo. Portanto, o antagonismo que Suruga exerce sobre Koyomi é pessoal, e ele sequer pode admitir. Quando ele afirma que 'só você pode salvar a si mesmo', significa que, todas as pessoas as quais ele mencionou esse lema podem estar em uma de duas caixas diferentes. A primeira é a 'caixa das vítimas'. Qualquer pessoa que precise de salvação está nessa caixa para Koyomi. Mas é possível sair dessa primeira caixa e ir para a 'caixa dos salvadores'. Basta salvar a si mesmo. No entanto, Suruga não se encaixa em nenhuma dessas caixas. Ela não é uma 'vítima' dessa história e, portanto, não pode ser 'salvadora'. Assim, Suruga desafia o ideal de Koyomi ao recusar essas duas caixas, encaixando-se em uma terceira: a 'caixa dos agressores'.

 Quando criança, Suruga teve dificuldade em se adaptar à escola e sofreu bullying por ser considerada lenta. Então, ela desejou correr rápido o suficiente para ganhar a prova de atletismo e assim conseguir se enturmar. Assim, a pata do macaco, que realiza desejos de forma distorcida, fez com que Suruga atacasse quatro crianças que estariam na corrida de atletismo junto com ela. No entanto, a pata do macaco não era realmente uma pata de macaco, e sim o braço de um demônio chuvoso, Rainy Devil. O braço não realiza desejos de forma distorcida, mas sim na forma que eles realmente são no mais profundo da consciência. Um desejo que geralmente seria contido por sentimentos humanos, como empatia e bom senso, é agora libertado pela mão do demônio. O desejo de machucar aquelas crianças que caçoavam dela.

 É o mesmo Rainy Devil que agora deseja matar Koyomi. O desejo oculto mais profundo de Suruga é matar Koyomi. O fazer em pedaços. Completamente despedaçado. Ela quer matá-lo e roubar Hitagi dele, movida por ciúmes, inveja, ressentimento, discordância e ódio. Independentemente da perspectiva dessa situação, Suruga é a agressora e Koyomi é a vítima. E mesmo assim... nem mesmo quando ela está quase o matando, Koyomi não revida. Koyomi é uma imitação de vampiro, a mais poderosa das monstruosidades, enquanto Suruga é 1/6 de um demônio menor. Ele tem uma monstruosidade mais forte que a dela, mas, quando seu lema foi confrontado, Koyomi não salvou a si mesmo como supostamente só ele poderia fazer. Hitagi, que é totalmente humana, 6/6 de humana, foi quem interveio e resolveu toda a situação para que Koyomi não morresse pelas mãos de Suruga e do demônio. Sendo esse o resultado final de "Suruga Monkey".

 Cortar o braço de Suruga resolveria o problema com a monstruosidade. Um braço ao invés de uma vida. Apesar das alternativas disponíveis, Koyomi escolheu se deixar morrer. A mesma escolha que ele fez quando encontrou Shinobu pela primeira vez. Deixar-se morrer. Desistir de viver. Suicídio. Para Koyomi, sua própria vida não tem valor suficiente para ser salva. Isso faz com que ele não seja a 'vítima', e Suruga e Shinobu não sejam 'agressoras'. Da mesma forma, ao ajudar Shinobu, Tsubasa, Hitagi e Mayoi, pela perspectiva de Koyomi sobre o valor da vida, ele realmente não salvou ninguém. Só você pode salvar a si mesmo.

 O anime representa estes sentimentos conflitantes a partir da plástica da violência que Koyomi sofre. A forma como Bakemonogatari representa a violência está sempre carregada de semiótica. Em "Hitagi Crab", a violência é predominantemente psicológica e é representada por imagens reais que simbolizam de maneira direta e perturbadora a violência pela qual Hitagi passou. Em "Mayoi Maimai", a violência, desta vez praticada pelo próprio Koyomi, é retratada de forma infantilizada e banalizada, como se não tivesse grande significado. Finalmente, em "Suruga Monkey", a violência é representada sob duas óticas diferentes, dependendo da percepção e compreensão de Koyomi sobre a situação.

 Quando Koyomi é atacado pela primeira vez pela misteriosa criatura com capa de chuva, o sangue que escorre dele é completamente vermelho. Elementos fantasiosos estão ausentes na cena, e o cenário noturno é completamente monocromático. Mesmo a capa de chuva do monstro é branca desbotada. Os sons dos ossos se quebrando são audíveis de forma clara e visceral. A violência é crua e visualmente desagradável, com seu algoz retratado como um verdadeiro monstro.

 Na segunda vez que Koyomi enfrenta o demônio chuvoso, agora ciente do tipo de monstruosidade com que está lidando e conhecendo o rosto que está por baixo do capuz, a violência é ainda maior, mas sua representação torna-se colorida e surreal. O mar de sangue alterna entre cores berrantes e o vermelho natural do líquido. Da mesma forma, o cenário escuro da sala de aula abandonada começa a ser sobreposto por cadeiras escolares de um tom infantil de amarelo, em um fundo completamente branco. O som também alterna entre efeitos sonoros típicos de animes de luta e o som de ossos se partindo. E, em vez do tom branco e frio, a capa de chuva agora é de um amarelo excessivamente chamativo.

 Tudo isso representa a confusão mental de Koyomi, que está sendo agredido violentamente até a beira da morte, enquanto se força a não aceitar que Suruga é sua 'agressora', que está tentando matá-lo, levando ao extremo sua ideologia que nega o valor da própria vida. A perspectiva de negar a realidade de que Suruga deseja agredi-lo com toda a força do corpo dela, confrontada com a realidade de que os ossos e órgãos internos dele estão mesmo sendo dilacerados. Esse é o momento em que a existência de Suruga Kanbaru se torna o antagonismo ao falso ideal de Koyomi Araragi.


Nadeko Snake
Pessoas em Caixas
Nadeko Yang

 

 Em "Nadeko Snake", os estereótipos de vítima e salvador atingem um novo nível, expondo completamente as intenções ocultas de Nadeko e Koyomi, revelando seu significado no contexto das interpretações de Monogatari. Em vez de uma dicotomia de ideias como a de "Suruga Monkey", "Nadeko Snake" apresenta sentimentos complementares: alguém que deseja salvar qualquer pessoa para dar algum valor à própria vida, e alguém que só quer ser salva pelo próprio herói.

 Nadeko Sengoku parece ser a primeira heroína de Bakemonogatari a não carregar nenhuma responsabilidade por seu próprio drama, nem um motivo para ser possuída por uma monstruosidade. Nos arcos anteriores e em "Tsubasa Cat", todas as heroínas enfrentam monstros que estão de alguma forma ligados a seus passados. Hitagi carrega a culpa por acreditar que poderia ter evitado a desintegração de sua família se não tivesse reagido quando quase teve seu corpo abusado, o que a fez, inconscientemente, desejar encontrar o caranguejo e apagar esse 'peso'. Mayoi não lidou bem com o divórcio dos pais e acabou atropelada após fugir de casa para encontrar a mãe. Suruga, incapaz de lidar com o medo do bullying e da solidão, acabou se tornando a agressora de várias pessoas. Tsubasa escondeu em segredo todo o trauma vivido e os abusos que sofreu dos pais até que seu estresse se tornasse o próprio monstro. Mas Nadeko não tem nenhuma tragédia em seu passado, nenhuma separação, nenhum maltrato. Ela não parece ser alguém que passaria por isso, o que a faz ser completamente vítima. A vítima perfeita, sem falhas, sem desvios, pronta para ser salva.

 Após o embate com Suruga e seu braço esquerdo demoníaco, o lema ao qual Koyomi se agarrava anteriormente, de que cada pessoa pode salvar apenas a si mesma, deixa de ser mencionado enquanto ele tenta resolver os problemas de Nadeko. Ao evitar deliberadamente considerar Suruga como sua agressora e se colocar em um estado de risco de morte contra alguém que tinha muito menos poder que ele, os sentimentos ocultos de Koyomi já haviam sido revelados. Seu hábito de estar sempre pronto para se sacrificar, aliado ao assistencialismo indeterminado revela seus sentimentos de inferioridade e de inutilidade, fazendo com que salvar alguém se torne apenas uma forma de adquirir valor suficiente para continuar suportando a própria vida. De certa forma, na perspectiva de Koyomi, ele realmente é o único que está se salvando, sem se importar com o impacto disso nas pessoas ao seu redor.

 No entanto, a perspectiva que um tem sobre o outro não é importante para nenhum dos dois. No caso de Koyomi, isso fica evidente ao fim do arco, quando ele se ressente profundamente por não ter conseguido evitar que a maldição da cobra constritora retornasse ao garoto que a lançou inicialmente. Não importa que isso tenha ocorrido apesar de seus esforços para conter a cobra. Não importa que o garoto tenha sido o causador do mal à Nadeko. A partir do momento em que a maldição se volta contra o garoto, ele se torna tão vítima quanto Nadeko. O sentimento que Koyomi poderia nutrir pelo garoto desconhecido seria de piedade, mas não de culpa, pois ele fez o possível para evitar que a cobra constritora se voltasse contra o garoto.

 Assim como em "Nadeko Snake", na vida real também existe uma tendência em esperar determinados comportamentos das vítimas de violência, a fim de separá-las em grupos. De acordo com a dinâmica estipulada nessa pequena sociedade entre Koyomi e Nadeko, espera-se dela comportamentos específicos, como se 'vítima' fosse, na verdade, um papel social. Esse hábito, que é principalmente destinado às vítimas de violência doméstica, desumaniza as vítimas, humaniza o crime e perpetua ideias terríveis. Em uma obra como Gatari, que aborda temas como abuso sexual, pedofilia, abandono e agressão, o arco da garota tímida pode se tornar um dos mais incômodos de se assistir. Do começo ao fim do arco, Nadeko mal é validada como uma pessoa completa. Não menos que uma garota perfeita, não mais que uma vítima. Sua natureza humana fica oculta sob uma camada de perfeição idealizada. Você é a Yamato, Nadeko! Bonita, doce, reservada, com pais amáveis. Pobre de você, vítima.

 A semiótica deste arco no anime é transmitida tanto através dos visuais quanto da narrativa. Muitos elementos visuais são propositalmente plásticos e pouco naturais. Na opening, as cores de Nadeko estão alteradas para ela parecer ainda mais fofa. Ela olha para a câmera em alguns momentos, projetando poses tímidas que ressaltam sua beleza em cenários quase vazios, interagindo com um personagem supostamente oculto que é representado em primeira pessoa pelo olhar da câmera. Muitos cenários adquirem um panorama monótono e estéril a fim de destacar a aparência de Nadeko e ignorar todo o resto ao seu redor.

 Nas cenas, usam-se muitas luzes, sombras e cores contrastantes para reforçar a ideia de superficialidade. Boa parte da história do arco ocorre em locações abandonadas, mas sempre há uma certa iluminação que parece não natural nos cenários. Mesmo na violência, que desta vez parece mais gráfica que nos arcos anteriores, há uma ótica fetichista sobre o corpo de Nadeko enquanto ele se contorce em agonia. Como se algum prazer estivesse sendo refletido aos olhos do espectador enquanto assiste a um ritual extremamente violento. Holofotes atraem forçadamente a atenção do público para a condição de vítima de Nadeko, nunca para algo mais profundo. Nunca há um olhar genuinamente humanitário.

 A narrativa sempre parece conduzir o espectador a não pensar sobre Nadeko. Ela não aparenta ser forte como Hitagi, nem tem uma personalidade cômica como a de Mayoi. Pela primeira vez, uma heroína de Bakemonogatari não parece ser um interesse romântico de Koyomi. Quando pensa que talvez ele seja a pessoa que Nadeko gosta e que a fez rejeitar a confissão do garoto no começo da história, ele descarta esse pensamento imediatamente. Não importa o quão óbvio isso seja para os espectadores; para Koyomi, não existem motivos para pensar tão profundamente sobre isso.

 Logicamente, a vítima perfeita não existe. Não faz sentido esperar comportamentos específicos de pessoas diferentes. A própria palavra 'vítima' pode ser um fardo terrível. Nada em Nadeko a torna menos ou mais vítima que Hitagi, Mayoi, Suruga, Tsubasa ou até mesmo Koyomi. Tampouco existe qualquer código de conduta preestabelecido para lidar com situações fora do comum como essa. O único elemento concreto é a importância de respeitar as respostas individuais de cada pessoa exposta à violência. Se Koyomi tivesse prestado mais atenção a isso, talvez tivesse evitado a mudança completa na perspectiva de Monogatari no arco "Hitagi End", onde o maior dos vigaristas se tornou herói e a supostamente incontestável vítima se tornou vilã.

 Mas era só isso que Nadeko queria: ser salva por Koyomi. Nada mais que isso, por enquanto. Nadeko vê Koyomi apenas como um salvador, uma forma de escapar das circunstâncias que odeia. Para ela, um amor não correspondido é algo conveniente. No final do arco, quando Koyomi está todo machucado após lutar contra a segunda cobra constritora, Nadeko não percebe o sangue no corpo e nas roupas do seu herói. O agradecimento dela não alcança Koyomi, que está consumido pela culpa de ter tentado salvar o garoto que fez tamanho mal à Nadeko e também pela culpa por não ter conseguido.


 Inegavelmente, ele a salvou da maldição. Essa é a perspectiva de Nadeko em relação à situação. Quando ela tentou agir por conta própria, sacrificando cobras brancas em um ritual, foi isso o que realmente a amaldiçoou, ao invés do ritual amador feito pelo garoto que gostava de Nadeko e da garota que gostava do garoto que gostava de Nadeko. Koyomi se sente péssimo por ver Nadeko e o garoto da exata mesma forma, enquanto Nadeko não percebe seu corpo ferido e continua a agradecer sem notar mais nada.


Tsubasa Cat
Dúvidas do Fim
Tsubasa Incompleta


 A semiótica em "Tsubasa Cat" é caracterizada pelo uso de iluminação e sombras. Luz para revelar a verdade e escuridão para escondê-la. Luz e treva. Mentiras e verdades. Bem e mal. yin e yang. Tsubasa Hanekawa e Black Hanekawa. Opostos. Complementares. Todos os cenários que aparecem durante o arco possuem luz e escuridão, sem exceção. Quando não é a luz do sol entrando por frestas e janelas, são luzes artificiais de lâmpadas, postes ou holofotes. Os ambientes de "Tsubasa Cat" são sempre iluminados de alguma forma. A escuridão cria a necessidade da luz, que, por sua vez, gera as sombras. A coexistência entre o que se quer mostrar e o que se quer esconder.

 Durante o primeiro encontro entre Hitagi e Koyomi, a iluminação possui um caráter parcialmente metafórico. Enquanto andavam no carro do pai de Hitagi, o interior do automóvel era constantemente iluminado por luzes da cidade ou dos túneis; quase inteiramente iluminado ou escuro quando Hitagi está sendo sincera com seus sentimentos, e apenas parcialmente quando ela está sendo provocadora. Na cena em que o casal troca palavras sinceras de amor, são iluminados pela luz das estrelas. Embora esta seja a única cena efetivamente escura de "Tsubasa Cat", o anime intercala cada momento com imagens de um céu completamente estrelado, aludindo à ausência de intenções ocultas na troca afetuosa e criando uma 'luz metafórica' para suas juras de amor.

 O contrário disso também. Quando alguém está escondendo algo por trás das palavras ou ações, essa pessoa sempre está na penumbra, tendendo mais para a escuridão do que para a luz. Embora seja o oposto teórico, o conceito de sombras também revela algo. Bakemonogatari explora a perspectiva das sombras, não para esconder verdades, mas para revelar a existência do que está oculto.

 

 Tsubasa Hanekawa provavelmente tem a personalidade mais complexa de Monogatari. Seu estado mental sempre esteve vagando, de forma não explícita, entre a luz e as sombras conceituais de Bakemonogatari. Mas, além disso, existe um ponto falho na persona de Tsubasa que é mais interessante de se observar pela perspectiva da narrativa do que tentar se aprofundar em sua psique. Esse ponto falho seria o fracasso. Aquilo que ela não consegue suportar ou admitir, e que acaba despejando sobre a monstruosidade felina. Sem esse aspecto, no entanto, ela permanece incompleta, como um pássaro com apenas uma asa.

 O aforismo pessoal de Tsubasa, 'Não sei de tudo, só sei o que eu sei', esconde deliberadamente a inconsistência que ela deseja manter oculta nas sombras. O não saber tudo e o saber algo não são as partes mais importantes para compreender Tsubasa profundamente. O segredo mais importante dela não está no que ela sabe ou não sabe, mas no que ela finge não saber. Aquilo que ela não pode sequer sussurrar para si mesma, devido ao desamparo que isso revelaria. A opção de ser falha não pode existir na vida da filha que não era de ninguém; ela não pode demonstrar fraquezas ou desejar o que não tem. Se Tsubasa fracassar em algo, não haverá ninguém para reerguê-la. Vivendo em uma família emprestada com o segundo casamento da mulher que casou com o homem que casou com a finada mãe de Tsubasa, ela não pode querer nada dessas pessoas quase sem afetos para ela e entre si. Assim, Tsubasa se acostumou tanto a viver a vida dessa maneira que, pela perspectiva de outras pessoas, incluindo de seus pais atuais, ela parece tão perfeitamente inclinada a estar sempre certa que sua presença impõe superioridade. Isso faz com que ela não forme boas relações, nem na escola nem em casa, tornando sua vida um labirinto inescapável. Sozinha na luz, sozinha nas trevas.

 Quando Tsubasa é possuída pelo gato, a monstruosidade fica com toda a parte que lhe causa estresse. Sawarineko, o gato importunador, é uma monstruosidade diferente das demais de Bakemonogatari, por ser a manifestação externa da parte de Tsubasa que não pode ser exibida; suas perdas e erros, órfãos de uma dona. Assim como as sombras não são necessariamente o oposto da luz, Black Hanekawa também não é o oposto de Tsubasa. A representação da monstruosidade não se caracteriza como uma sombra, ou o lado obscuro de Tsubasa, mas sim como uma luz sobre o que a representante de classe tem mantido oculto. No anime, isso é percebido através da iluminação sobre a monstruosidade, que está sempre andando onde há luz.

 As únicas maneiras de diminuir o estresse de Tsubasa seriam se alguém pudesse aceitar aquilo que ela não quer externalizar ou se a causa da angústia desaparecesse. Na primeira manifestação do gato importunador, ele ataca os pais de Tsubasa que, da perspectiva da monstruosidade, são os causadores do estresse dela. Visto que Tsubasa nunca conversou sinceramente com os pais e que eles não têm plena culpa pela situação familiar dela ter tomado tal forma, eles não se encaixam no papel de antagonistas. Embora eles tivessem a opção de adotá-la sinceramente e lhe dar amor, a situação de estresse não é totalmente culpa deles. No entanto, Tsubasa não pode admitir seu próprio contexto; caso contrário, a monstruosidade não existiria em sua vida.

 Na segunda vinda do gato, mostrada em "Tsubasa Cat", o novo pico de estresse está centrado no fato de que o garoto que Tsubasa gosta, Koyomi, passou a demonstrar interesse em outra menina, Hitagi. Dessa vez, o protagonista é o novo erro que Tsubasa não quer assumir. Ela escondeu seus sentimentos e se manteve esperando que o seu herói viesse a salvá-la, o que a colocou em uma situação completamente desfavorável em comparação com a personalidade decidida de Hitagi. Obviamente, alguém extremamente perspicaz como Tsubasa saberia que Koyomi não é capaz de perceber a verdadeira natureza das pessoas de forma clara. Mesmo assim, ela esperou, e agora, da perspectiva do gato, Koyomi é visto como o catalisador do estresse.

 No clímax final de Bakemonogatari, todos os princípios de Koyomi são desafiados. É quando Bakemonogatari é confrontado por Bakemonogatari. Como sempre, até que tudo estivesse revelado, Koyomi não foi capaz de perceber Tsubasa além de sua monstruosidade. Aliviar o estresse de Tsubasa ao compreender e aceitar seus sentimentos falhou, como era esperado. A única opção restante é eliminar a causa do sofrimento. Depois de afirmar diversas vezes que poderia dar a vida por sua salvadora, Koyomi só precisa se deixar morrer pelas mãos do gato importunador para acabar com a monstruosidade.

 Após ser enganado, a imitação de vampiro Koyomi não pode salvar a si mesmo dos poderes esmagadores do gato importunador. Koyomi também não pode convencer Tsubasa de que ela pode salvar a si mesma. Caso ela admita seus problemas para si mesma, isso causaria diversos traumas naquela situação, aumentando o estresse infinitamente. Sem chance de obter outra resposta, Koyomi enfim assume que, assim como Tsubasa, ele apenas nunca conseguiu admitir sua força e fraquezas. Em último recurso, essa é uma situação em que ele não pode se salvar e precisa da força de outra pessoa.

 Na continuação temática desse arco em "Tsubasa Tiger", os sentimentos abandonados de Tsubasa ganham uma nova forma. Quando a garota e o tigre tirânico se encontram, a monstruosidade começa a tentar queimar lugares relacionados à Tsubasa. Sua casa, o prédio do cursinho abandonado onde vivia Oshino e a casa de Hitagi. Todos esses cenários permeiam as vontades ocultas de Tsubasa. Como qualquer pessoa, Tsubasa não tem tudo. Nenhuma pessoa precisa ter tudo. Entre tudo o que se tem e o que se não tem, as coisas mais difíceis de admitir que não se tem são aquelas que se gostaria de ter; o resto pode parecer irrelevante. Enquanto Tsubasa continua a esconder seus sentimentos negativos e permanece pura, as coisas que ela não assume ganham uma nova forma para a monstruosidade tigre atear fogo. Em sua carta de desculpa para o gato, Tsubasa revela tudo que sentia. Pelos pais, abandono, por eles a terem rejeitado; pela escola, ressentimento por todo o peso da responsabilidade que lhe foi atribuída; por Hitagi, inveja por ela receber amor e ter um lugar que é verdadeiramente uma casa.


 Para evitar que seu mundo desejado fosse queimado, Tsubasa é obrigada a assumir que as monstruosidades dela se manifestam a partir dela mesma. Que as monstruosidades representam o que ela não queria ser, mas não pode evitar ser. Quando a manifestação do tigre Kako chegou ao fim, Tsubasa finalmente assumiu que suas falhas e tragédias inalteráveis são partes de seu próprio caráter. Ela confessa seu amor por Koyomi, mesmo que já não tenha mais chance disso se tornar verdade. Ela decide assumir seu papel em sua família atual, mesmo sabendo que seu passado não pode ser refeito. Ela escolhe não mais aceitar tudo que as pessoas fizerem a ela. E principalmente, ela não fecha os olhos para sua situação familiar, não aceitando mais ser vítima de negligência e abuso emocional e físico. É quando, enfim, Tsubasa está completa, com suas duas monstruosidades se tornando seu par de asas.

 A frase 'só você pode salvar a si mesmo' é aberta a interpretações e não está necessariamente errada; ela apenas adquire significados diferentes entre cada pessoa dessa história, como um falso cognato. Para Oshino Meme, significa que a ajuda dele se limita a lidar profissionalmente com as monstruosidades sem se importar com o aspecto pessoal, como uma forma de ajuda parcial e imediata. Para Tsubasa Hanekawa, de fato, pode ter o significado literal, no sentido de que ela realmente foi quem salvou a si mesma ao aceitar tanto sua força quanto suas fraquezas. Para a obra, a frase adquire significado filosófico aberto a diversas interpretações. Para Koyomi Araragi, no entanto, a frase é algo muito mais complexo. O lema acaba se tornando um sofisma que lhe permite praticar seu forte senso de justiça, inspirado pela admiração que tem por seus pais policiais, ao mesmo tempo em que mantém sua fortaleza de repúdio por si mesmo. Praticar seu próprio heroísmo, mas sem obter valor nisso. Vontade versus autoestima. Realidade versus perspectiva.

 E na realidade atual, enquanto está sendo estrangulado pelo gato importunador, parece que se deixar morrer é a solução, mas na perspectiva adquirida ao longo dessa história, isso não é mais aceitável. Mesmo com a personalidade isolada e solitária de Koyomi, muitas coisas mudaram nele ao longo de cada arco. Se ele morresse pelas mãos de Tsubasa, Hitagi definitivamente não os perdoaria. E ele, sem dúvida, se importa com Hitagi. Se Koyomi não amasse Hitagi, poderia simplesmente aceitar os sentimentos de Tsubasa, o que resolveria o problema do estresse. No entanto, ele já rejeitou essa possibilidade. Tampouco a morte dele poderia trazer algo positivo para Tsubasa, Hitagi, Nadeko, Suruga e Mayoi. Mesmo que Koyomi ainda não possa ver valor em si mesmo e sinta que isso seja imutável, também é uma verdade absoluta que ele não pode controlar o valor que tem para as outras pessoas, pois isso parte delas mesmas. A vida de Koyomi tem valor para cada uma delas. Se cada uma delas também tem valor para ele, morrer não é uma opção.

 Koyomi não tem força contra o gato. Salvar a si mesmo é impossível. Na estrutura narrativa da resolução, os ideais do protagonista falharam. Não há mais nada. Mas, se a vida dele tem valor para as pessoas com quem ele se importa; se, para elas, Koyomi não é uma imitação de vampiro, mas sim um ser humano completo, ainda vale a pena desejar ser salvo. Vale a pena viver. Isso, por si só, é um valor inegável de sua vida.

 No fim, ao pedir a ajuda de Shinobu, Koyomi quebra o que parecia ser seu próprio código moral. Ela, que estava escondida em sua sombra, também representa diversas verdades ocultas na narrativa, tanto sobre a aversão de Koyomi quanto sobre sua esperança de estar vivo e sentir o valor que tem para outras pessoas. Shinobu é o complemento de Koyomi. Monogatari Series é uma história sobre reabilitações, no plural. Reabilitação de traumas, medos, vergonhas e culpas. É uma história sobre aprender a se amar. Diferente do que é dito na trama, as monstruosidades parecem existir para um propósito. Pelo menos, é o que se percebe da perspectiva do observador que, enquanto interagia com os fenômenos, mudou a si mesmo. Assim sendo, as monstruosidades sempre foram coadjuvantes, características laterais de cada personalidade, representando o peso de cada um. Bakemonogatari, contos de monstros, contos de humanos.


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Texto e edição de imagens: Maviael Nascimento, nem sempre é panaino se viver.

Consultoria: Kiilo (MonogatariBR)

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