Interlúdio #4 - Seiyuu Songs Lendários

 Uma análise do impacto da música na popularização e globalização da dublagem japonesa.

Animelancolia...

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Interlúdio #4 - Seiyuu Songs Lendários



 As participações em programas de variedades na TV foram de grande importância para popularizar a profissão de dublador e transformar os seiyuus em celebridades durante a década de 1990. A televisão e a internet, sem dúvidas, contribuíram muito para os rostos dos seiyuus se tornarem tão famosos quanto as suas vozes e atuações. No entanto, não foi apenas através das mídias visuais que seiyuus se tornaram parte importante da divulgação dos animes e produtos relacionados. Foram os programas de rádio que geraram a primeira onda de popularidade de atores e atrizes de voz já na década de 1950. Mas foi apenas na década de 1970 que surgiu o Slapstick, um grupo musical formado pelos primeiros atores de voz que arriscaram em carreiras musicais no Japão.

 Durante a segunda metade da década de 2000, foi quando as aparições públicas, principalmente, por meio da TV e internet, intensificaram-se cada vez mais, tornando os seiyuus verdadeiros ídolos em escala global. As músicas de seiyuus e temas de personagens, ainda nessa mesma época da nova era de ouro dos seiyuus, começaram a se tornar ainda mais frequentes, a ponto de alguns castings para animes serem pensados sob essa ótica, de fazer as seiyuus femininas se tornarem idols. Aos poucos, antes mesmo de começarem a aparecer mais frequentemente na televisão, muitos desses artistas já alcançavam imensa notoriedade devido ao avanço da internet. Um dos meios que destacavam os nomes dos seiyuus além dos créditos finais dos episódios de animes era através da música.

 Neste período em específico, a dublagem no Japão se tornou um ramo muito respeitado e cobiçado, resultando em grandes aumentos no número de profissionais registrados, principalmente entre o público feminino. Em 2001, o número de artistas femininas listadas na Voice Actress Directory (um periódico da Seiyu Grand Prix, a principal publicação voltada para o ramo durante os anos 90) era de apenas 225, aumentando para 535 entre 2002 e 2008, até atingir o impressionante número de 1063 seiyuus femininas exercendo a profissão em 2024, ficando entre as profissões mais cobiçadas no Japão. Esses periódicos são um dos poucos registros numéricos de fácil acesso sobre quando o cenário começou a mudar favoravelmente para os seiyuus a partir do início do milênio.

 Neste post, quero focar especificamente no período entre o fim da década de 1990, o início do novo milênio, até os dias atuais, comentando sobre o impacto que certos seiyuus songs tiveram no Japão e no mundo inteiro, tentando entender um pouco da importância da música na popularização dessa belíssima forma de arte que é a dublagem e, diretamente, sobre como essas canções foram fundamentais nos animes.

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Aya Hirano - God Knows...
(Suzumiya Haruhi no Yuutsu (2009))

 

 Animes da Kyoto Animation influenciaram a indústria de animes de diversas maneiras ao longo do tempo. Suzumiya Haruhi no Yuutsu foi um dos animes do estúdio que alcançou o status de fenômeno cultural. Quando o anime foi ao ar pela primeira vez no ano lendário de 2006, rapidamente se tornou um sucesso mundial. A devoção dos fãs por esse anime criou o meme do "Haruhism" como uma seita para adorar Haruhi como deusa. Claro, o "Haruhism" é mais como uma brincadeira para mostrar o nível de alcance da obra. No entanto, durante os protestos em Akihabara em que os otakus exigiam liberdade de expressão e direitos das minorias sexuais, a figura da Haruhi era uma onipresença nesses atos. 2006 foi um ano em que a visão social da palavra otaku mudou definitivamente para algo reconhecido e normalizado entre os anos de 1998 e 2007, assim como foi documentado no livro "Debating Otaku in Contemporary Japan: Historical Perspectives and New Horizons". Suzumiya Haruhi no Yuutsu foi peça fundamental nessa busca por identidade. Mesmo internacionalmente, a imagem de Haruhi acabou indo parar em um cartaz de protesto que ocorreu na Faixa de Gaza em 2006, em resposta a um atentado que deixou 3 crianças mortas. Na clássica foto, uma menina aparece segurando uma placa com a imagem de Haruhi estampada logo acima da frase "Parem de matar crianças".

 Em todo o mundo, mais e mais eventos de animes começavam a aumentar em popularidade durante o começo da segunda metade da década de 2000. Aqui no Brasil, eventos como o Anime Friends (2003) se tornavam cada vez mais frequentados entre o público nacional de animes. Tudo isso ocorrendo em pleno auge das danças em grupo conhecidas como flash mob. Em 2006, a música "Hare Hare Yukai", primeira ending de Suzumiya Haruhi no Yuutsu, tornou-se um fenômeno nesses eventos. A música foi um sucesso avassalador, devido à sua letra contagiante e à sua dança cativante inspirada em grupos de J-pop. Vídeos parodiando "Hare Hare Yukai" também foram parte importante do que popularizou o site de vídeos Niconico Douga. Chegou ao ponto em que a música foi coreografada até mesmo pelo CDPRC Dancers, um coletivo de presidiários do Centro Provincial de Detenção e Reabilitação de Cebu (CPDRC), uma prisão de segurança máxima nas Filipinas, que realizavam coreografias coletivas como parte do exercício diário de reabilitação, algo que se tornaria um meme viral mundial entre 2006 e 2010. Em diversos tipos de fenômenos da internet em 2006, "Hare Hare Yukai" estava presente, de alguma forma.

 Incrivelmente, a segunda temporada de Suzumiya Haruhi no Yuutsu apresentou uma música que superaria o alcance de "Hare Hare Yukai". Era lançada a retumbante "God Knows...". Cantada pela voz de Aya Hirano, sob o pseudônimo da banda fictícia ENOZ, a música "God Knows..." alcançaria voos que nenhuma outra música de seiyuu havia conseguido até então, e que poucas conseguiram mesmo nos tempos atuais. "God Knows..." se tornou o primeiro vídeo musical cantado por seiyuu a alcançar cem milhões de visualizações no YouTube. Também faz parte de um seleto grupo de músicas que conseguiram permanecer por mais de 100 semanas nas paradas musicais da Oricon, um feito incrível de um anisong rompendo fronteiras musicais. No Heisei Anisong Grand Prix, que foi um evento realizado pela Sony Music Labels, em 2019, com julgamento pela crítica especializada para premiar os melhores anisongs de cada década do Período Heisei (1989 a 2019), "God Knows..." recebeu o prêmio na categoria de Melhores Arranjos.

 Antes de entrar em mais contextos sobre a iconicidade dessa canção, é preciso reconhecer o seu incrível poder técnico. A letra da música composta pela lendária Aki Hata, tem um tom de lamentação; no entanto, é uma canção executada a plenos pulmões, como se fosse um protesto solitário contra a realidade. Os arranjos da melodia são impecáveis, com cada acorde e batida tendo uma função específica, enquanto as ondulações da voz de Aya moldam o ritmo. A sequência de cenas em que a música é apresentada no anime é um momento catártico da obra. A canção ganha um forte apelo também pela narrativa, além, é claro, de ser mais de 4 minutos contínuos com animação fluida de dedilhamento de guitarra, batidas na bateria e uma belíssima atuação de personagem da Haruhi com roupa de coelhinha. Pessoalmente, no anime, "God Knows..." chega até mim como uma música sobre a hipocrisia da Haruhi. Depois de prender todo mundo em um looping e até de fazer bullying com Mikuru, é a própria Haruhi que está berrando frases de revolta sobre a realidade. Isso apenas faz "God Knows..." se tornar ainda mais poderosa, por mesclar técnica, vocalização e narrativa em uma cena poderosa.

 Em 2009, no ano do lançamento da segunda temporada do anime, o cenário era ainda mais promissor para os seiyuus do que durante o ano de exibição da primeira temporada. Isso se deveu, em parte, devido ao sucesso alcançado por Aya em seus primeiros 5 anos de carreira. A artista foi responsável por colocar muitos holofotes sobre seu ofício e reafirmar a importância de músicas cantadas por seiyuus, ignorando a distinção entre dublagem e canto. Por todo o contexto envolvido, pelo poder da canção e pela performance de Aya Hirano, "God Knows..." é o seiyuu song mais icônico já feito, embora essa seja uma afirmação completamente subjetiva da minha parte.



Relacionado: Aya Hirano, Emiri Katou, Kaori Fukuhara & Aya Endou - Motteke! Sailor Fuku (LuckyStar)


 Para algumas músicas desta lista, irei trazer um seiyuu song adicional que acrescente ainda mais contexto. Começarei com outro sucesso da Kyoto Animation que também mudou a cultura otaku. Situada um ano depois da primeira temporada de Haruhi e dois anos antes da segunda, "Motteke! Sailor Fuku" foi outra performance icônica da Aya Hirano, dessa vez com o acompanhamento das vozes de Emiri Katou, Aya Endou e Kaori Fukuhara. A fofa coreografia da opening de LuckyStar também foi reproduzida às toneladas em eventos de animes e vídeos pela internet.

 "Motteke! Sailor Fuku" foi o terceiro single mais vendido no Japão em 2007, ganhando o certificado de ouro. A divertida canção foi eleita pelo Animation Kobe Awards como melhor tema de anime do ano, e anos mais tarde foi eleita no Heisei Anisong Grand Prix na categoria de Melhor Letra. O sucesso de "Motteke! Sailor Fuku" se assemelha bastante ao de "Hare Hare Yukai".

 Durante esses 4 anos, entre 2006 e 2009, Aya Hirano foi alçada a um status de fama que poucos seiyuus conseguiram. Fez muitos shows, programas de TV e rádio, ganhou muitos prêmios, etc. Alguns anos depois, em 2011, ocorreu toda aquela controvérsia midiaticamente proporcional ao seu sucesso, em que, ao invés de ser devidamente protegida após ter sua vida íntima violada, ela viu sua carreira afundar pelo julgamento público, em algo que afeta sua segurança física até os dias atuais. E ainda assim, o nome de Aya Hirano sempre seguirá marcado como uma das principais vozes no período de maior popularização da dublagem japonesa.

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Maaya Sakamoto - Platinum (Cardcaptor Sakura)

 Entre os 82 animes lançados em 1998, um total de 17 traziam openings ou endings cantadas por seiyuus, um número significativo para a década de 90. Algumas dessas músicas foram performadas por profissionais do panteão da dublagem japonesa, incluindo Megumi Hayashibara, Sakura Tange, Yukari Tamura, Yui Horie e, claro, Maaya Sakamoto. Em particular, Maaya Sakamoto foi a artista mais prolífica em músicas de animes nesse ano. Ela cantou nas endings e aberturas de 4 títulos em 1998. Maaya não apenas era um nome conhecido na época, como também já era uma cantora aclamada por sua lindíssima voz. Em ambas as vertentes, música e atuação, ela se tornou uma referência.

 Entretanto, nessas 17 obras com seus temas cantados por seiyuus, uma delas tinha um pequeno detalhe diferente das demais: O clássico anime de Cardcaptor Sakura apresentava uma música de uma seiyuu que não estava cedendo a voz a nenhum personagem na obra. A belíssima canção "Platinum" não era um character song ou algo semelhante. Para o propósito deste post, estou me referindo como 'seiyuu song' qualquer música cantada por alguém que também seja seiyuu, mas estritamente falando, "Platinum" era uma música da cantora Maaya Sakamoto.

 Ter seiyuus versáteis assim em 1998, que foi um ano de grandess mudanças na cultura otaku, mostra um pouco da importância do cenário da dublagem japonesa daquela época, que não é tão fértil de encontrar informações como eu gostaria, provavelmente por ainda não existirem prêmios como o Seiyuu Awards (2007), ou mais mídias focadas, como as revistas Seiyuu Animedia (2004), My Girl (revista de ensaios fotográficos de seiyuus femininas e idols), Anime Voice Actor, B.L.T. Voice Girls, etc. Mesmo que fosse uma indústria diferente, com menos da metade do tamanho que passou a ter após a virada do milênio, e bem menos badalada do que viria a se tornar, muitos artistas conseguiam bastante relevância no mundo musical. Nessa época específica, é fácil saber quais foram os nomes que mais influenciaram para esse holofote existir, pois são profissionais lendários até os dias atuais.

 Durante sua carreira, Maaya Sakamoto aparentemente tomou como regra a separação entre cantora e dubladora. Os anisongs cantados por Maaya muitas vezes são composições da própria artista e dificilmente você irá encontrar alguma canção que possa ser denominada como 'música de personagem'. Isso criou a máxima que ela não canta música para personagens. Esse detalhe se tornou evidente por causa de Monogatari Series, que tem openings cantadas por todas as dubladoras de protagonistas da obra, exceto pela Shinobu, que é interpretada por Maaya. Procurei pela entrevista citada no link anterior e por outras fontes por escrito que confirmassem a afirmação de que ela recusa cantar character songs, mas não encontrei nada nem mesmo no site dedicado a coletar conteúdo sobre a artista. Embora não possa confirmar o motivo, é um fato que, desde 2008, Maaya não canta músicas que não sejam estritamente assinadas sob seu próprio nome.

 "Platinum" ficou 5 semanas nos charts da Oricon, atingindo seu pico na 21ª posição. No Heisei Anisong Grand Prix, "Platinum" foi eleita como Melhor Música de Seiyuu da década de 1990. Em sua carreira de cantora, Maaya foi a segunda dubladora solo a conseguir liderar o ranking semanal de álbuns da Oricon, com "You can't catch me", seu sétimo disco, lançado em janeiro de 2011.

 A letra de "Platinum" fala sobre ser forte, mesmo que sejamos existências efêmeras. Uma canção muito terna e doce que ressalta o poder dos sonhos e sentimentos. Parece que Maaya canta a música que reflete a alma da Sakura Kinomoto. Esta belíssima composição carrega em sua letra e arranjos todas as reflexões de Cardcaptor Sakura, sendo a canção mais icônica de Maaya Sakamoto e um dos anisongs mais populares de sua década.


 

Relacionado: Megumi Hayashibara - Over Soul (Shaman King)

 


 Mesmo com muitas canções que ficaram marcadas na história dos animes, o anisong mais famoso de Megumi Hayashibara provavelmente é sua versão de "Fly Me to the Moon", do anime Shinseiki Evangelion. A clássica canção de Frank Sinatra ganhou diversas reinterpretações para o anime. A melódica versão de Rei Ayanami, interpretada por Megumi Hayashibara, se tornou bastante aclamada, sendo parte da iconicidade de Evangelion. Uma música que fala sobre escapar da realidade indo para algum lugar distante é perfeita para a melancólica, mas ainda resiliente, personagem.

 "Over Soul" é igualmente icônica no Japão, mas é um sucesso mais tímido no resto do mundo. Shaman King foi exibido em diversos países com dublagens e versões nos respectivos idiomas para os temas de abertura e encerramento da série. A versão brasileira se chama "Ele Vai Vencer!" e foi uma música que marcou a infância de muita gente (incluindo a minha), embora Shaman King tenha feito bem menos sucesso que outros battle shounens aqui em nosso país.

 Esta canção é bastante influente no próprio meio. É o anisong favorito de uma das dubladoras que apareceu ou aparecerá em algum momento deste post. Recentemente, a música ganhou uma belíssima versão por outra dubladora que também está neste texto, a Yoko Hikasa. "Over Soul" foi gravada por Yoko para um projeto chamado CrosSing, que convida profissionais da voz para regravarem anisongs icônicos. Algumas canções mencionadas neste texto já apareceram no projeto da CrosSing, como Kana Hanazawa e Ayana Taketatsu, que cantou "Platinum", e também "God Knows...", que foi revisitada pela cantora Masami Okui.

 Megumi Hayashibara é uma das seiyuus mais influentes de toda a história da atuação de voz. Na década de 1990, ela foi uma das seiyuus mais prolíficas e influentes também no ramo musical. Em uma pesquisa realizada pela Oricon em 2014, Megumi foi classificada como a 4ª seiyuu feminina mais influente da história. No ano anteriormente mencionado, 1988, Megumi ainda era apenas uma seiyuu promissora com menos de 3 anos de carreira, mas ela já tinha diversas canções famosas e personagens extremamente marcantes como Rei Ayanami, Musashi/Jessie (Pokémon), Ranma (Ranma ½), Kitty (Hello Kitty), Faye Valentine (Cowboy Bebop) e Ai Haibara (Meitantei Conan). Megumi se tornou tão popular e influente que o fato dela cantar  sempre foi uma validação de que seiyuus podem se lançar em carreiras musicais. Não é à toa que Megumi é uma grande referência de muitos dubladores que são populares atualmente.

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Ho-Kago Tea Time - Don't say 'lazy' (K-On!)


 

 K-On! é uma obra que marcou seu nome na história dos animes e exerceu influência sobre o que a indústria iria se tornar. Ao pesquisar sobre o tema, alguns artigos tendem a focar no apelo moe da obra e na produção caprichada encabeçada pela incrível diretora Naoko Yamada. Embora tudo isso seja verdade, não se pode ignorar a parte musical da obra e o gigantesco impacto que K-On! teve no cenário musical japonês. A banda fictícia Ho-Kago Tea Time alcançou conquistas incríveis, trazendo uma ampla gama de novas possibilidades para as músicas de animes e seiyuus. K-On! se consagrou não apenas como um dos animes mais importantes de todos os tempos, mas também como um fenômeno musical.

 Além da quantidade imensa de talentos trabalhando na Kyoto Animation, a história do estúdio prova o quanto os diretores dos animes da empresa entendem sobre as fórmulas para fazer uma obra de sucesso. Muitos detalhes sobre o processo de produção de K-On! estão documentados em vários artigos de sites e blogs. E tudo que envolve os temas musicais do anime é incrivelmente caprichado. Os arranjos de todas as músicas são muito poderosos, a composição das letras acrescentam muito à narrativa, a movimentação e desenho dos instrumentos traziam ótimas técnicas de animação, e as openings, endings e insert songs eram representadas com clipes maravilhosamente bem idealizados. Endossando tudo isso, os vocais das dubladoras Yoko Hikasa, Aki Toyosaki, Satomi Satou, Minako Kotobuki e Ayana Taketatsu eram carismáticos e sustentavam as várias nuances das canções, como a velocidade insana do andamento de "GO! GO! MANIAC" e a potência de "Listen!!".

 


 Em suas letras, as músicas do Ho-Kago Tea Time geralmente se dividiam em dois grupos: Músicas animadas e enérgicas cantadas por Aki Toyosaki e músicas um pouco mais profundas sobre temas adolescentes cantadas por Yoko Hikasa. Todas as músicas faziam sentido para o contexto do anime. As canções da Yui reverenciavam a liberdade como uma forma de viver a juventude ao máximo, pulando e festejando. Em contraste, as canções da Mio falavam sobre se sentir subestimada por ser jovem e abordava temas assim. "Don't say 'lazy'" tinha trechos como "não diga que sou preguiçosa, até porque eu sou apenas louca", e "os gansos na verdade estão batendo suas asas longe de todos". A sonoridade do grupo apela diretamente para quem ainda está na adolescência e, de maneira nostálgica, para quem já está em outra fase da vida. Algo divertido de se ver no anime e ótimo de se ouvir nas músicas, fazendo K-On! ser um sucesso marcante.

 Os sons contagiantes de K-On! movimentaram o mercado de instrumentos musicais no Japão. Durante o período de exibição do anime, a venda de guitarras elétricas atingiram um recorde histórico. A Fender Japan '62 Reissue Jazz Bass, modelo para canhotos que a Mio usa, se tornou um best-seller, registrando um aumento de 800% nas vendas devido a K-On!. Pessoas que têm maior destreza com a mão esquerda, foram impactadas pela Mio e decidiram tentar aprender a tocar instrumentos, mesmo que o aprendizado seja mais difícil para canhotos. Estes são exemplos de como o fenômeno musical de K-On! repercutiu diretamente na vida das pessoas em aspectos pessoais, mercadológicos e até de turismo.


 "Cagayake!GIRLS", opening da primeira temporada, fez sua estreia como single alcançando o 4° lugar no ranking da Oricon. "Don't say 'lazy'", ending da primeira temporada, estreou em 2° no ranking. Essa ending também foi eleita como melhor tema de 2009, pelo Animation Kobe Awards. Em 2010, o Ho-kago Tea Time se tornou a primeiro grupo musical formado por personagens de animes a conseguir colocar um single e um álbum simultaneamente no top 1 do ranking da Oricon. Esse feito só foi alcançado novamente em 2014, com o grupo μ's, de Love Live!. A música que chegou ao top 1 em sua estreia foi "Go! Go! Maniac", primeira opening da segunda temporada . "Listen!!", a primeira ending da segunda temporada, alcançou a 2ª posição do ranking, fazendo assim as meninas do HTT se tornarem as primeiras vocalistas femininas a alcançarem os tops 1 e 2 do ranking, desde que este foi criado em 1983. No mesmo ano, o HTT também ocupou as duas primeiras posições do Billboard Japan Hot 100 e a primeira posição no Thericon, alcançando os mesmos feitos de serem o primeiro girls group a ocuparem tais posições.

 Ainda sobre os rankings da Oricon, "Utauyo!! Miracle", segunda opening da segunda temporada, estreou em 3°; "No, Thank You!", segunda ending da segunda temporada de K-On!, estreou em 2°; "Unmei ♪ wa ♪ Endless!", opening do filme, estreou em 5° e "Singing", ending do filme, estreou em 4°. Isso mostra como K-On! se tornou ainda mais relevante na segunda temporada, fazendo com que uma girl band de anime invadisse o cenário musical japonês e alcançasse o topo dos principais rankings de classificação pela primeira vez na história, solidificando seu lugar como um fenômeno na cultura pop japonesa.

 K-On! mostrou toda a grandiosidade que músicas cantadas por seiyuus talentosos e versáteis podem alcançar. Liderado pelas vozes de Yoko Hikasa e Aki Toyosaki, o Ho-Kago Tea Time trouxe uma nova visão para animes musicais e permitiu que mais grupos e bandas de animes pudessem se consolidar mercadologicamente na vida real.


Relacionado: μ's - Bokura wa Ima no Naka de (Love Live! School Idol Project)


 É provável que o fenômeno de K-On! tenha impactado diretamente no sucesso que foi Love Live!. No entanto, aceitar essa afirmação como absoluta seria uma simplificação excessiva. O anime de Love Live! Fez sucesso desde sua estreia. Ao longo do tempo, o projeto recebeu uma divulgação de marketing pesada pela Lantis, Sunrise e Dengeki. Era esperado que o anime fizesse sucesso, mas o anime de Love Live! fez muito mais que isso. Love Live! School Idol Project iniciou uma nova era para os animes de idol. Antes de Love Live!, The Idolm@ster já havia escrito seu nome na história, e, no entanto, as meninas da μ's (Lê-se "Muses") alcançaram uma expressividade ainda maior, se tornando o segundo grupo musical de anime a alcançar o topo dos rankings da Oricon. O primeiro sucessor do Ho-Kago Tea Time.

 O marketing que possibilitou a ascensão do μ's, está diretamente ligado às imagens das seiyuus. A carreira delas foram geridas como aconteceria com qualquer idol promissora, mesmo que fosse fora dos circuito dos animes. Além do sucesso de crítica e vendas do anime, os singles lançado por μ's alcançaram os principais rankings mais de uma dezena de vezes. Love Live! tornou-se um dos principais produtos da Sunrise, gerando receitas de bilhões de ienes através de vendas de Blu-rays e DVDs, Shows, arrecadação de cinema, venda de álbuns, etc. Um dos animes mais lucrativos já produzidos. μ's encerrou suas atividades em 2016, mas seu legado permitiu diversas continuações bem sucedidas de Love Live!, além de desencadear uma era promissora para animes do gênero.

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Kana Hanazawa - Renai Circulation (Bakemonogatari)


 Embora o sucesso de "Renai Circulation" tenha acontecido de forma semelhante a um meme de internet, a música se tornou tão proeminente dentro e fora da cultura otaku que, entre todas as músicas desta lista, ela é coroada como a canção de seiyuu que se tornou o maior fenômeno cultural mundial, fazendo com que muita gente conheça os animes de Monogatari Series devido à música de Kana Hanazawa.

 Quando foi oficialmente lançada, em janeiro de 2010, a música composta pela talentosa letrista Megumi Hinata, rapidamente ganhou popularidade através de coreografias e mash-ups com outras músicas no Niconico. No entanto, foi apenas no final desse mesmo ano que a música alcançou sucesso globalmente, ao se tornar um super hit no TikTok. A plataforma frequentemente a traz de volta à tendência, principalmente na China, onde Kana conquistou bastante prestigio e se apresentou em diversos eventos musicais populares no país.

 Ao longo dos anos, "Renai Circulation" ganhou diversas regravações em diferentes idiomas. Artistas como as cantoras japonesas Yanagi Nagi e Mai Kotone, a cantora americana Lizz Robinett e até mesmo a popular V-tuber Gawr Gura fizeram suas interpretações da música. Em uma versão feita pela cantora e dubladora Satomi Amano, a canção entrou para a trilha sonora do famoso jogo mobile The Idolm@ster Cinderella Girls: Starlight Stage. Com todo esse holofote, "Renai Circulation" ganhou o prêmio de Melhor Character Song da década no Heisei Anisong Grand Prix.

 Músicas que viralizam pela internet geralmente têm data de validade para acabar, mas o que realmente torna "Renai Circulation" um fenômeno cultural, é o fato de que o seiyuu song consegue se manter constantemente relevante desde que foi lançada em 2010 até os dias atuais. No YouTube e em plataformas de vídeos curtos existem tantas paródias da música que se criou o meme do "everybody's circulation", que consegue compilar qualquer coisa dentro do ritmo de "Renai Circulation". Além disso, é comum encontrar covers da música interpretados por quase todos os talentos da Hololive, demonstrando sua influência dentro da comunidade virtual.


 Em vez de ser apenas um sucesso passageiro, "Renai Circulation" continuou ganhando popularidade. Recentemente, em 2021, quase 11 anos após seu lançamento, a música conseguiu se tornar o anisong mais pesquisado do Google por dois meses seguidos: fevereiro e março, com uma média de mais de três milhões de buscas. Até onde pesquisei, só encontrei essa contagem de buscas de anisongs entre os anos de 2008 até a atualidade, mas é provável que "Renai Circulation" seja a primeira e única música de seiyuu a conseguir tal feito.

 "Renai Circulation" é um rap melódico fortemente inspirado no gênero japonês Shibuya-kei. A letra da canção é simples e cada fonema é gentilmente audível na voz de Kana, tornando-a divertida de cantarolar mesmo para quem não compreende o idioma japonês. Além da personagem Nadeko Sengoku, esse incrível character song também transmite muito o carisma de Kana Hanazawa. Sendo uma música diabeticamente doce, a fofura natural da voz de Kana se encaixa perfeitamente na melodia. Com arranjos e letra contagiante, é como se "Renai Circulation" tivesse o poder de alcance express de uma música feita para o Tik-Tok, mas com o capacidade geracional e constante de um jingle brilhantemente pensado. Essa combinação garante que a música constantemente retorne à tendência em diversas redes sociais.

 Além disso, parte do poder da canção está no fato dela se afirmar como uma música de personagem. Alguns trechos da música referenciam a própria Nadeko: "Se eu me esforçar, poderei ser sua 'Yamato Nadeshiko'?" / Se eu me esforçar, me tornarei uma 'Yamato Nadeshiko', então darei meu melhor para ser sua 'Yamato Nadeko'!". Já no clipe da opening de Bakemonogatari, é possível notar uma quantidade exorbitante de semiótica. A paleta de cores da personagem está diferente de suas cores normais, mas de uma maneira que ressalta ainda mais a sua fofura. Os cenários ao fundo consistem principalmente em cores suaves, destacando-se minimamente em contraste com a personagem. Enquanto canta uma música que descreve um amor infantil, meloso e um tanto obsessivo, Nadeko assume várias poses e expressões fofas, como se estivesse posando para alguém, ao mesmo tempo em que finge não saber que está sendo observada. A opening carrega um conjunto de características para tornar Nadeko fofa de uma forma inteiramente superficial. Um combo que descreve com perfeição Nadeko, uma das personagens mais complexas de Monogatari Series.

 

 

Relacionado: Konomi Kohara - Chikatto Chika Chika (Kaguya-sama wa Kokurasetai)


 Este é um character song que eu supus que poderia se tornar um fenômeno igual "Renai Circulation". "Chikatto Chika Chika" também é um rap, e ainda um pouco mais animado; possui uma coreografia carismática; a música destaca de maneira quase forçada a fofura da Chika; e é perfeita para paródias. A música fez bastante sucesso em seu ano de lançamento, ganhou o prêmio de melhor ending no Crunchyroll Awards e teve sua dança reproduzida infinitas vezes em plataformas de vídeos. No entanto, o sucesso da canção ficou marcado quase exclusivamente no ano de 2019 e não voltou mais a ter a mesma relevância.

 Algo um tanto estranho sobre essa ending foi sua divulgação. O vídeo que mais fez sucesso no YouTube Japão (não lembro se era vídeo oficial e não consigo mais encontrá-lo na plataforma), tinha restrição por região, então seus números pararam de crescer tão rapidamente quanto começaram. Atualmente, não há versão oficial do clipe no YouTube, nem mesmo nos canais da Crunchyroll ou da Aniplex, onde estão disponíveis outras aberturas e encerramentos de Kaguya-Sama. De certa forma, o mesmo marketing ruim também acontece com "Renai Circulation", em que problemas de direitos autorais derrubaram alguns vídeos da música com dezenas de milhões de visualizações, enquanto a própria Aniplex também nunca postou o clipe oficialmente. Mas são contextos e épocas completamente diferentes separando as duas músicas. Com uma divulgação eficaz, "Chikatto Chika Chika" poderia ter se tornado um fenômeno muito maior.

 Mas tanto a música quanto o anime de Kaguya-sama voltaram os olhos do público para talentos recentes da dublagem japonesa. Aoi Koga e Konomi Kohara estiveram bastante em evidência, fazendo participações em diversas premiações e eventos, incluindo Aoi aparecendo no live action da obra. O programa de rádio do anime, apresentado por Aoi e Konomi, também foi um grande destaque, sendo premiado como melhor programa feminino de rádio online. Mesmo que "Chikatto Chika Chika" seja algo daquele ano em específico, certamente é um seiyuu song lendário que carrega bastante contexto de dublagem japonesa.

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Kessoku Band - Ano Band (Bocchi The Rock!)

 A sensação musical do aclamado e altamente premiado anime Bocchi The Rock!, fez novamente a cena rock do Japão ser invadida por uma banda fictícia, a Kessoku Band! O brilhantismo da produção da obra se destaca ainda mais em sua trilha sonora, permitindo que Ikumi Hasegawa, Yoshino Aoyama, Sayumi Suzushiro e Saku Mizuno sejam o mais recente exemplo de seiyuus que conquistaram o cenário musical.

 Letras, vocais e arranjos, tudo na trilha sonora de Bocchi The Rock!, está repleto de boas ideias. Na composição das músicas do grupo estão músicos de renome como ZAQ (Hibike! Euphonium, Non Non Biyori e Flip Flappers); Ai Higuchi (Shingeki no Kyojin e Yamai Shibai); a vocalista do The Peggies, Yuho Kitazawa (Boku no Hero Academia, Kanojo, Okarishimasu e Seishun Buta Yarou wa Bunny Girl Senpai); o vocalista do KANA-BOON, Maguro Taniguchi (Naruto, Saraznmai e Karakuri Circus), entre outros grandes nomes do rock e pop japonês.

 Essa mistura criou um repertório com canções distintas entre si, mas que se complementam muito bem. As letras joviais têm um tom irônico sobre temas que conversam diretamente com a geração atual. Apesar de ser uma banda adolescente, no enredo do anime, Hitori cumpre o papel de letrista da banda. Por isso, por trás de seus riffs de guitarras poderosos e linhas de bateria empolgada, as músicas da Kessoku também são um pouco melancólicas e com vários trechos sobre se sentir pressionada ou solitária e a vontade de se afirmar como indivíduo. A canção que escolhi para representar o conjunto, "Ano Band", é sobre uma pessoa que encontrou uma banda que ressoa diretamente com ela, e isso a faz querer fechar os olhos para a realidade e apenas ouvir seus próprios sons.

 Com letras atuais e arranjos de primeira linha em que cada instrumento se destaca em harmonia, o sucesso da Kessoku Band não apenas alcançou o topo das paradas, como também aqueceu o mercado musical do Japão, que estava sofrendo as consequências da pandemia de 2020. Assim como aconteceu com o baixo da Mio em K-On!, a guitarra elétrica modelo PACIFICA Yamaha tocada no anime pela Hitori se tornou um best seller durante a exibição do anime. Nesse mesmo período, a venda de instrumentos musicais nas lojas do Japão registraram um aumento de 73%, segundo a Senkei News. A Shimamura Musical Instruments, uma conceituada loja japonesa, atribuiu esse crescimento diretamente a Bocchi The Rock!.

 O primeiro álbum da banda, intitulado omonimamente de "Kessoku Band", foi um fenômeno tanto em vendas físicas quanto digitais. Em fevereiro de 2023, o álbum ganhou o certificado de ouro pela  Recording Industry Association of Japan por ultrapassar a marca de 100.000 cópias físicas vendidas. Já a mídia digital estreou alcançando o topo da Billboard Japan e permaneceu no topo por 7 semanas não consecutivas. Também alcançou o topo dos charts de álbum da Oricon já na estreia, onde permaneceu por 4 semanas, um feito inédito para uma banda feminina. O álbum ainda recebeu o prêmio CD Shop Awards, que é julgado e classificado por comerciantes de lojas de música. E em fevereiro de 2024, a banda recebeu o troféu da Oricon por conquistar o primeiro lugar na categoria de vendas por obra em 2023.

 Além da aclamação comercial, Kessoku Band também recebeu muitos elogios da critica especializada, com destaque principalmente para os arranjos e a voz potente de Ikumi Hasegawa, que interpreta a Kita, vocalista principal do Kessoku Band no anime. O jornalista musical Tomonori Shiba destacou a essência de um rock japonês que se originou na região de Shimokitazawa (onde a trama do anime se passa), presente na sonoridade da banda. O site Real Sound afirmou que os vocais criam a sensação de um mundo ligado à história do anime e que as músicas evocam a presença das personagens.

 Com o sucesso de crítica e público, Bocchi The Rock! traz o cenário atual das músicas de seiyuus, em que não necessariamente precisa existir distinções como "anisong", "seiyuu song" ou "character song". Embora eu mesmo tenha usado esses termos diversas vezes durante o processo de escrita deste texto, a minha base de escolha para cada citação na lista foram músicas excelentes por natureza, que são reconhecidas por sua qualidade e que marcaram a história dos animes. É isso que músicas cantadas por seiyuus se tornaram e tendem a continuar sendo, algo presente no cenário musical como um todo, influenciando os animes e, igualmente, o mercado da música. Atualmente, existe a preocupação que sintetizadores de vozes substituam os dubladores, tornando o futuro do ramo bastante incerto. No Japão, no entanto, os seiyuus são ícones culturais dos animes, assim como eu tentei mostrar neste post.

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Post Scriptum

 Este foi um texto especial que tenho planejado e pesquisado há cerca de 3 anos, sobre algo que amo muito e que é parte vital do meu querido projeto Animelancolia. Ainda quero escrever muitas coisas sobre seiyuus, mas é realmente complicado postar vídeos com trechos de cenas de animes sem ferir direitos autorais, e isso dificulta bastante escrever sobre o tema. Esse post em particular foi desenvolvido lentamente para obter um resultado preciso na argumentação (se você percebeu algum erro, deixe nos comentários para que eu possa corrigir). De certa forma, é minha demonstração de amor para essa arte que tanto amo, a dublagem japonesa. Espero de coração que você tenha se divertido lendo tanto quanto me diverti escrevendo.


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Texto escrito por: Maviael Nascimento, sempre vai haver uma voz cantando tudo, tudo de nós.

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