Sutilezas de Paradise Kiss
Paradise Kiss reúne as três maiores paixões de Ai Yazawa: mangá, moda e música. O elemento música não é central na trama, mas ele está presente. O tema moda já havia sido algo importante em Gokinjo Monogatari, outra obra de Yazawa. Neste mangá em particular, a autora aborda extensivamente sobre moda enquanto profissão, com suas dificuldades e prazeres. Gokinjo também aborda sobre a moda como forma de comportamento e sua representação na sociedade. No entanto, em Paradise Kiss ela usou a moda como um manifesto de expressão humana, discutindo-a como uma forma de encontrar nosso lugar no mundo. Paradise Kiss é uma declaração sincera sobre o que é moda.
Animelancolia, em uma homenagem à Ai Yazawa, apresenta:
- Capítulo 2 -
Então, se você colocar a primeira página do mangá em que Yukari aparece com 18 anos, junto com a primeira página em que ela aparece com 28 anos, 10 anos depois de se separar do George, obterá um dos melhores desenvolvimentos de personagens já feitos por Ai Yazawa, representado em imagens.
As mudanças na forma como Yukari enxerga o mundo ao seu redor, além de desempenharem um papel importante em seu desenvolvimento, também são partes sutis e interessantes na obra. Um aspecto que considero particularmente interessante é a maneira com que ela se refere ao local de trabalho do pessoal da grife ParaKiss e como passa a se referir ao estabelecimento posteriormente. A forma como Yukari compreende as diferenças entre ela e as pessoas da ParaKiss a ajuda a entender a sociedade à qual está inserida. No final da história, Yukari literalmente se tornou parte da rotina urbana que ela tanto odiava, ao ter seu rosto estampado em outdoors pela cidade.
Outro tema importante dentro da busca por identidade, é a sexualidade dos personagens. Apesar de ParaKiss ser constantemente e merecidamente reconhecido como uma ótima referência de temáticas LGBT, a obra raramente explora questões relacionadas à sexualidade de seus personagens queer. Em vez disso, a obra retrata passivamente como questões de identidade são algo natural, sem levantar uma bandeira de forma enfática. Novamente, isso sublinha o estilo narrativo mais comum nas obras de Ai Yazawa, de simplesmente ressaltar a natureza de seus temas, ao invés de defender ou atacar os pontos de vistas, deixando a compreensão total a cargo do leitor.
A caracterização de George como um anti-herói é bastante evidente devido às suas ações e palavras horríveis em relação à Yukari. É o tipo de personagem que Ai Yazawa consegue conduzir de uma maneira assustadoramente bem escrita. O aspecto mais sutil de George está em como sua personalidade tóxica e seu amor por Yukari são usados para ela encontrar sua verdadeira personalidade. Yukari, que inicialmente não tinha interesse em moda, passa a buscar a independência para se encaixar no ideal dele e, posteriormente, busca a independência por si mesma. George fez com que Yukari entendesse muitas coisas e despertasse o desejo de conhecer mais o mundo, alcançando assim suas própria metas. No entanto, o objetivo que Yukari encontrou era diferente da meta de George; e assim, a única parte que ficava em evidência no relacionamento dos dois era a dependência que ela sentia e a manipulação que ele fazia. Por isso, para se tornar verdadeiramente independente, Yukari precisava se libertar da influência de George e seguir seu próprio caminho com seus próprios pés.
No entendimento de Ai Yazawa sobre identidade, acho que não existe personagem que seja tão sutil quanto Isabella. Embora a transexualidade tenha sido, durante muitos anos, classificada como um transtorno mental pela Organização Mundial da Saúde, a moda defende há muito tempo a liberdade de expressão. A visão que a moda apresenta para gênero é de algo fluido, um contínuo que não carece de divisões rígidas. É uma das muitas ideias que fazem moda ser muito mais do que apenas roupas.
Ao longo da trama, Isabella desempenha o papel de uma figura materna para o grupo. Quando seu passado é revelado, é, sem dúvida, uma das cenas mais adoráveis criadas por Ai Yazawa. Acredito que seja por esse motivo que ela seja a personagem central de menor carga dramática em Paradise Kiss. Enquanto os outros personagens estão em busca de sua identidade através da moda, Isabella representa a celebração da liberdade de expressão de gênero, sem fazer distinções, como ela já encontrou em sua jornada.
No final dos anos 90, Ai Yazawa criou Isabella, retratando de uma forma excepcional a liberdade de ser quem você é, sem sequer mostrar a identidade de gênero dela como fonte de drama. Apesar disso, ainda há cenas em que alguns personagens a desrespeitam, geralmente sendo repreendidos pelo George logo em seguida. Uma dessas cenas, em que a professora a chama usando um honorífico masculino, envelheceu realmente mal. Na época, talvez tenha passado como algo superficial, mas vindo de uma educadora, torna-se uma situação complicada e problemática sendo tratada como comédia.
No último volume do mangá, o drama de Isabella ganha destaque. Com a iminente mudança de George para outro país e o fechamento do ParaKiss, Isabella precisa enfrentar uma série de entrevistas de emprego para garantir seu futuro. Para isso, ela tem que se vestir de homem. O que denota muito bem a crítica da moda para essa imposição social de vestimentas. Porque a Isabella não teve que vestir apenas roupas consideradas masculinas, ela teve que se vestir de homem. Como se o gênero fosse uma roupa que se veste para se adequar às convenções sociais.
Ai Yazawa representou todo o sentimento de Isabella com um único desenho do rosto dela. Isabella, não sendo uma pessoa que fala muito sobre si mesma, sempre expressa seus sentimentos dessa maneira. A natural aceitação de George quando criança demonstra perfeitamente o quão bem ele se encaixa com os ideais da moda. Nesse tema em si, Isabella é a demonstração perfeita de como a moda é a atitude de poder expressar livremente a verdadeira personalidade e atitudes de cada pessoa. Embora algumas cenas com Isabella tenham se perdido no tempo, como seria de se esperar de uma obra iniciada no fim dos anos 90 e encerrada no começo dos 2000, a Isabella tem uma representação imensa dentro dos ideais transfeministas do nosso tempo atual. Apesar das partes que envelheceram mal, a obra continua sendo atual e pertinente mesmo mais de 20 anos depois. Por isso, continuarei dizendo que Paradise Kiss é ainda mais do que uma história incrível. Paradise Kiss é o discurso perfeito da Ai Yazawa sobre moda.
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Texto escrito por: Maviael Nascimento, vestindo ParaKiss.
Imagem de capa: Henrique Neves (Casa dos Reviewers)
Conheça a série completa sobre Ai Yazawa: Ai Yazawa The Perfect Vision
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