A minha surpresa com esse arco começou já pelo título. "Um Natal Escuro" era algo que eu não esperava ver em uma obra tão fofa quanto Senryuu Shoujo. Natal é uma época de luz. É quando as casas são enfeitadas com muitas luzes. É um raro momento onde as pessoas tendem a sentir mais esse sentimento conhecido como felicidade. Isso é o que chamamos de espirito natalino. Então, quem poderia dizer que justamente Senryuu Shoujo teria um arco com o título tão depressivamente contrário à ideia do Natal?
É um arco curto, de apenas 4 capítulos. Vai do capítulo 101 ao 104, do volume 7 do mangá. Apesar disso, é um arco incrivelmente intenso. O Masakuni Igarashi-sensei chegou em um nível de escrita muito alto nessa parte da obra. Ele resgatou várias passagens da obra. Algumas das quais não pareciam tão importante. Mesmo sendo um mangá majoritariamente feito de piadas, havia uma história mais profunda sendo contada ali. E "Um Natal Escuro" é uma das sínteses dessa história.
Parte 1
Indiferente ao título, o arco se inicia com sua típica alegria. Começa quando a Amane anuncia que o clube de literatura irá ajudar na organização do evento natalino da cidade de Karai. Ela diz que diversos outros clubes escolares de várias escolas também ajudam nos preparativos. É uma chance de conhecer pessoas e fazer novas amizades. Com isso, é claro que Nanako está muito feliz. Na maioria das cenas, ela aparece com um sorriso estampado no rosto. Tem até mesmo uma cena com ela rindo alto, sozinha, no meio da rua.
Enquanto se diverte, alguns pensamentos nostálgicos vêm à cabeça de Nanako. E ai ela faz esse monólogo interno muito bonitinho. Eu acho muito legal que, até mesmo a forma de pensar dela, seja em 5-7-5. Essa é uma das magias do mangá que infelizmente se perde quando se lê em outro idioma que não o japonês. Essa meia página do mangá, é uma das mais importantes pra
sentir esse arco. A Nanako relembra o acaso que fez esse ano ser tão especial na vida dela. E então ela se pergunta
onde ela estaria agora se ela não tivesse conhecido o Eiji. Para Nanako, o Natal é uma época especial. Uma para
recordar.
Depois disso, Nanako sai sozinha para escolher um presente de Natal pro Eiji. Enquanto ela está saltitando de alegria, alguma conhecida do passado a chama. Antes mesmo de se virar pra essa pessoa, dá pra perceber que o simples som dessa voz do passado causou um grande abalo na Nanako. Desse ponto em diante, as expressões no rosto da Nanako são impactantes. Aquela garota que está sempre com um rosto fofo, é a mesma que está com esse olhar assustado ai na imagem. E com esse pavor estampado no rosto, o capítulo acaba.
Parte 2
Hora de entrar em cena os outros dois personagens importantes dessa novela. A primeira, é a antagonista do arco, a Akari. No episódio 1 do anime, a Nanako explica o motivo pelo qual ela só fala através de senryuu. Acontece que, quando ela quer falar, o cérebro dela pensa muitas coisas ao mesmo tempo, desordenadamente. Então o esquema silábico 5-7-5 é uma forma de filtrar as frases certas. Em um outro episódio do anime, quando o Eiji vai à casa da Nanako, a mãe da garota diz que algumas coisas ruins aconteceram com sua filha na escola secundária. E ainda, no episódio 12, quando mostra como Nanako e Eiji se conheceram, o episódio começa com um curto flashback, onde vemos Nanako com uniforme da Escola Média, sentada com os braços segurando as pernas, e a cabeça afundada entre os joelhos. Todas essas pequenas passagens, já indicavam que essa Akari iria aparecer. Ela é a pessoa, ou uma das pessoas, que fazia bullying com a Nanako. E esse foi o mal que se abateu sobre Nanako, e que, possivelmente, a fez ficar com depressão. Entendendo isso, é mais fácil de compreender toda a importância que o Eiji tem na vida dela. Não é só o garoto que ela ama. É também, aquele que a salvou da escuridão, como ela mesma diz nesse capítulo.
A segunda personagem de igual importância, já havia nos sido apresentada desde a segunda metade do mangá. É a Komachi, a rival no amor da Nanako. Ela não cumpre a função de antagonismo, pois na verdade é uma garota com uma índole impecável. Além de ser uma excelente amiga pra Nanako. Aqui nesse arco, ela teve um desempenho tão magnífico, que chega a brilhar tanto quanto a Nanako.
A Akari se mostrou uma antagonista bastante interessante. Tanto o olhar, quanto as palavras dela, são frias e precisas. O cinismo e as atitudes dela são um perfeito oposto da bondade e da gentileza da Nanako. Nesse embate, não foi o bem quem prevaleceu. A Nanako até tentou contra-argumentar na forma de um senryuu... mas, aparentemente, ao se comunicar dessa forma, ela não é páreo contra palavras duras. A Akari conseguiu coagi-la a pensar que, se ela ficar com o Eiji, ele vai acabar sendo julgado por estar com uma garota que não sabe se comunicar normalmente. Nessa parte, a arte do Igarashi-sensei se destacou bastante. Ele desenhou a chuva de uma forma que deu muito peso na cena. Principalmente quando a Nanako nervosa deixa o tanzaku (papel pra escrever senryuu) cair. E ai é possível ver as últimas palavras que ela tentou dizer, se apagando por causa da água. É como se agora, ela realmente estivesse completamente no escuro.
No dia seguinte, Komachi foi comprar um cachecol de presente pro Eiji. Dessa vez ela está decidida a se declarar. É típico de obras de romance, que, em algum momento, a rival no amor da protagonista resolva se declarar. É uma forma de se fechar um ciclo. Nesse arco, os objetivos tendem a ruminarem em um grande clímax. A Komachi que está decidida, o Eiji que está alheio ao que está acontecendo, e a Nanako que está completamente no escuro.
Parte 3
O destaque da terceira parte do arco, sem dúvidas é a Komachi. Ela está simplesmente maravilhosa nessa parte da história. A ponto do leitor talvez ficar mais triste por causa dela do que pela Nanako. Ela sempre foi uma personagem muito carismática, mas não esperava que ela teria tanto desenvolvimento assim. Outra coisa que vale ser ressaltada é a parte gráfica do capítulo. Igarashi-sensei está afiadíssimo. Principalmente pela forma como ele representa a iluminação e, ou a escuridão nos cenários. A narrativa visual também está excelente. Com direito à uma metáfora visual deslumbrante em uma certa cena da Komachi.
Todos estão preocupados com a Nanako. Ela, para despistar, inventou um resfriado. Eiji desconfia que algo possa estar acontecendo, então resolve ir até a casa dela. No meio do caminho, encontra com a Komachi. A Komachi estava indo justamente para entregar o cachecol e declarar os seus sentimentos por Eiji. Pelo fato da Nanako não estar junto do Eiji, essa seria a melhor oportunidade para Komachi. O cachecol já até estava em um perfeito embrulho, lacrado com um adesivo em formato de coração (sugestão da Misaki, amiga da Komachi). No entanto, ela considera que é muito injusto com a Nanako se acontecer dessa forma.
No meio de seu conflito interno, Komachi decide que não quer mais fugir. Então pede para que Eiji a leve para ver as luzes de Natal que enfeitam o centro da cidade. Ou seja, ele voltou novamente para perto do mesmo local em que estava anteriormente. No meio do caminho, Eiji se distrai com a tábua onde as pessoas expõe seus senryuus e haikus. Foi assim que ele e Nanako se conheceram. Enquanto conversam, Komachi percebe que um dos papeis em exibição está completamente em branco. Ela nota que o papel tem algumas rasuras, como se alguém o tivesse segurado forte durante muito tempo, sem escrever nada. Ela deduz que foi a Nanako, e fica completamente extasiada. Quando olha pro Eiji, ela consegue confirmar que o que ela pensou estava certo. Antes mesmo que ele pudesse dizer que precisa ir ver a Nanako, ela o interrompe entregando-lhe um cachecol para que ele não se resfrie no caminho. Quando ele a pergunta de onde saiu aquele cachecol novo, ela mente dizendo que comprou, mas não gostou da textura do tecido. Ele a agradece dizendo que irá retribuir no futuro. E logo, vai embora ver a Nanako. Durante essa parte, a Komachi aparece sempre com uma das mão escondidas em suas costas. Quando finalmente ela é mostrada de costas, podemos ver o embrulho de presente, agora vazio, em sua mão. O adesivo em forma de coração, está agora rasgado ao meio. Com certeza é uma metáfora tão simples que não precisa de grandes explicações. Foi uma metáfora perfeita. O que Komachi fez foi simplesmente lindo. Ela abriu mão de se declarar e machucou o próprio coração em prol da Nanako. No fim, ela chora pelo desfecho inesperado, mas decide mais uma vez que não vai desistir. Ela foi decidida, foi generosa, foi persistente. Komachi foi linda. Espero que ela tenha um final feliz ao fim do mangá.
Parte 4
E então, chegamos na última parte desse surpreendente e encantador arco. A condução da narrativa que levou à conclusão da trama, foi muito bem escrita. Principalmente os diálogos entre Nanako e Eiji. Deu pra entender ainda melhor o quanto a relação desses dois é incrível. O bem que um faz para o outro. Durante esse capítulo, Eiji e Nanako relembram diversas cenas do passado. E é incrível como cada um enxerga apenas o bem que o outro faz para si. Nanako é tão ajudada pelo Eiji, que ela mesma não percebe o quanto ela o ajuda a ser a melhor pessoa que ele pode ser. O mesmo vale para o Eiji. O fato dela estar sempre tão próxima a ele, faz com que as pessoas ao redor vão, aos poucos, deixando de ver ele como um delinquente. Isso é algo tão importante que, talvez até pareça que os atos dele sejam menores do que realmente são. Mas o fato é que a aceitação mútua é o que os fazem serem pessoas tão maravilhosas.
Eiji pega a bicicleta da Amane emprestada e sai à procura de Nanako. Ele acaba a encontrando sozinha em um balanço de parque. Apesar de ficar feliz com o Eiji ter procurado por ela, Nanako relembra as palavras da Akari. Se o Eiji ficar com uma garota estranha como ela, então as pessoas o julgarão. É esse tipo de pensamento que tem preenchido a cabeça da Nanako desde aquele dia. Quando ela vai se desculpar por ser um incômodo, ele a interrompe antes dela terminar a frase, e a diz para se apressar antes que as luzes da grande árvore de Natal sejam apagadas. Eles tinham combinado de verem esse evento juntos. Nanako sobe no bagageiro da bicicleta e eles vão para o centro da cidade. Os diálogos que acontecem durante esse percurso de bicicleta, são muito bem escritos. E ainda relembram várias cenas. Ela pergunta se ele se lembra do Natal em que eles se encontraram pela primeira vez. Então, Nanako confessa que as palavras que ele disse naquela ocasião, fez com que ela ficasse extremamente feliz. E que, quando eles estão juntos, ela sempre se diverte muito. Mas que, quando ela pensa nisso mais profundamente, talvez ela seja a única que se diverte. E enfim Nanako pergunta se ele não odeia que as pessoas o olhem estranho por causa dela. Com essa pergunta, Eiji finalmente descobre porque ela estava tão triste ultimamente. Eiji relembra Nanako das palavras gentis e sinceras que outrora ela disse para ele, justamente na vez em que ele fez esse mesmo questionamento para ela. Então, para responder a pergunta que ela o fez, ele toma emprestado as mesmas palavras que Nanako havia dito a ele:
"Contanto que você esteja comigo, eu não me importo com o que as outras pessoas pensam."
Depois desse incrível diálogo, de uma cena de choro, e de uma cena de pura fofura, Eiji e Nanako finalmente desfazem o mal-entendido que os afligia. Infelizmente, as luzes da árvore já haviam sido apagadas quando eles finalmente chegaram lá. Ao invés de luzes, o que eles lá encontram, é nada menos do que a fonte de toda essa angustia, a Akari (Akari também pode ser lido como "luz", em japonês). Ao ver Eiji, Akari pergunta pra Nanako se ela já esqueceu que o Eiji será mal falado se ficar ao lado dela. Mas agora, já não estando mais perturbada, Nanako consegue responder com um senryuu e um sorriso no rosto. A Akari sem argumentos contra isso, resolve mandar o namorado dela acossar o Eiji. Mas pro azar dela, quando ele ia fazer isso, ele reconhece o Eiji e sai fugido dali. E assim, a única que sai realmente humilhada, é a Akari. Nanako fica juntinha do Eiji e diz que não precisa de luz para preservar o espírito do Natal. E com isso, o título do arco pode ser lido de outra forma. Ao invés de "
Um Natal Escuro", o título pode ser lido como "
Um Natal Sem Akari". Termina assim, com essa fofura e com esse brilhante trocadilho no título. Desde o começo o espírito de Natal esteve presente no título.
Esse arco reforçou ainda mais que, Nanako e Eiji têm um relacionamento perfeito. Tão perfeito que até justifica o fato da obra não ser do gênero romance. Sabe por quê? É porque os sentimentos deles vão muito além de simplesmente ser amor. E é mútuo de uma maneira que se colocasse em uma balança, ficaria com o equilíbrio perfeito. É tanto respeito, carinho e principalmente, aceitação. Se um estiver com problemas, o outro sempre dará total apoio. Mesmo que o mundo irracionalmente odeie o Eiji, Nanako estará lá por ele. Mesmo que as pessoas isolem a Nanako por causa da forma que ela se comunica, Eiji estará lá por ela. Ambos têm problemas que envolvem o julgamento errado das demais pessoas. No entanto, Nanako nunca julgou o Eiji, e vice-versa. Isso é tão... melhor que a maioria dos romances dos animes. Porque uma boa parte dos animes de romance, são sempre a mesma coisa. O protagonista faz algo que geralmente não é nada demais, e mesmo assim a protagonista feminina se apaixona por ele. Ou então, o garoto vai sempre salvando a princesinha desprotegida até ela notar que o ama, oh! Nanako e Eiji não são assim. Eles se ajudam mutuamente. A Nanako fez isso até mais vezes que ele. E como bem sabemos, ela se apaixonou primeiro. E não foi pela gentileza, ou algo assim. Ela amou o Senryuu dele, e ele mesmo sem saber, a salvou da escuridão por simplesmente não julgá-la desde o começo. Quanto ao Eiji, ele se apaixonou porque ela foi a primeira e única que não teve medo e fugiu por causa da cara de mau dele. Assim que é o relacionamento dos dois. Independente deles ficarem juntos ou não, eles já têm uma relação mais grandiosa que o ideal.
Eu li esse arco justamente enquanto também estava lendo o maravilhoso mangá de Koi wa Ameagari no You Ni. Isso me ajudou a entender algo que até então estava só no meu subconsciente. Que é em relação ao que eu realmente gosto em um romance. Esse é o meu gênero favorito de ficção no geral, embora nos animes seja o gênero musical. Só que eu meio que não gosto da maioria dos romances dos animangás, com exceção é claro, dos GL, das obras da Ai Yazawa-sensei e de algumas outras exceções. Me incomoda que chamem de romance obras que se resumem à cenas de tensão sexual. Ou romance onde claramente a garota é idealizada de uma maneira machista. Ou que, na verdade, o protagonista não seja um bom personagem, e ainda assim, tenha um monte de beldades aos seus pés. KoiAme e esse arco de Senryuu Shoujo me ajudaram a descobrir o que é que eu realmente gosto em um romance. E é basicamente que o romance não esteja acima de absolutamente tudo. Que os personagens não orbitem em torno do romance. E que, na verdade, o relacionamento seja usado para fazer os personagem se desenvolverem, e não o contrário. Que o romance seja a própria narrativa. De preferência, que tenha sempre algo ainda maior do que o próprio romance. Todos os romances que estão nos meus favoritos são assim. Nana, YagaKimi, Clannad, ParaKiss e KoiAme.
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